“A idade não limita nossos sonhos, dá mais sentido a eles”: a história da TND Cleize, que recomeçou aos 54 anos

“A idade não limita nossos sonhos, dá mais sentido a eles”: a história da TND Cleize, que recomeçou aos 54 anos

Em mais um episódio da série “Valorizando os 60+”, vamos conhecer a história de Cleize Wapenik, um exemplo de que não existe momento certo para reescrever a nossa história.


Percorrendo as redes sociais, é possível encontrar uma postagem que diz: “você não está atrasado em uma vida que é sua”. De autoria desconhecida, mas com um significado que impacta a todos, essa frase reforça que, em um mundo de comparações, não podemos esquecer que a trajetória sempre será única para cada um de nós.

Mudar de casa, fazer um novo curso, recalcular a rota… tudo isso faz parte da nossa história. Estava destinado a acontecer. Providencial.

Essa providência foi a que alcançou Cleize de Fátima Wapenik, entrevistada para o quadro “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos profissionais da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.

Cleize já exerceu diversas atividades profissionais ao longo da vida. Mas, aos 54 anos, quando a filha estava prestes a se formar na universidade, uma necessidade simples, pagar a formatura da filha, tornou-se o incentivo para o início de uma nova fase. Ela é Técnica em Nutrição e Dietética (TND), formou-se aos 56 anos e hoje trabalha no Setor de Fiscalização do CRN-8.

Cleize também representa um marco. A profissional já atuava no Conselho na época do reconhecimento da profissão, com a Lei nº 14.924/2024. Além de garantir mais segurança jurídica, esse ato definiu com clareza as atribuições do TND e reforçou a importância da atuação conjunta com o nutricionista. Contudo, os TNDs já atuavam muito antes dessa lei, contribuindo de forma significativa para a área da nutrição.

A história de hoje é sobre valorização profissional, mas também sobre recomeços — e sobre como deveríamos lembrar que o tempo adequado para a nossa vida é aquele que nós mesmos determinamos.

O começo no curso de TND

Cleize tem uma vasta experiência de trabalho. Já atuou em banco, revendeu produtos de cosméticos e dedicou boa parte da vida às atividades do lar. Nascida em Paranaguá (litoral do Estado), enfrentou diversos desafios, sempre com o propósito de cuidar dos filhos: dois rapazes e uma menina.

Em 2017, quando já morava em Curitiba, Cleize recebeu uma notícia que aquece o coração de toda mãe: sua filha se formaria na universidade. Com a alegria de ver a filha concluindo o ensino superior, ela precisou se organizar para ajudá-la a pagar a formatura. A saída foi empreender em algo que sempre adorou, desde que se entende por gente: fazer bolos e doces.

“Nessa época, comecei a vender para alguns amigos, que gostaram e recomendaram que eu investisse nessa área”, relembra. “Depois de um tempo, passei a vender para os moradores do condomínio onde morava, e foi isso que ajudou a transformar em realidade o sonho da minha filha”, diz.

Contudo, o desejo de tornar essa atividade uma profissão persistiu. Interessada em compreender como a alimentação pode influenciar a saúde das pessoas e em se capacitar para fazer a diferença, Cleize buscou algumas opções. E encontrou uma saída: a inscrição no curso técnico em Nutrição e Dietética no Colégio Júlia Wanderley, em Curitiba.

Turma do curso de TND no Colégio Julia Wanderley em Curitiba. Foto: Arquivo Pessoal

As escolas técnicas no Brasil começaram suas atividades no início do século XX, com a instituição das Escolas de Aprendizes e Artífices em 1909, criadas por Nilo Peçanha, então presidente do país.

Em 1961, um decreto criou novos cursos técnicos devido à grande demanda, entre eles o de Dietética, voltado principalmente às mulheres em suas atribuições domésticas. Com o passar do tempo, o curso evoluiu e passou a se chamar Técnico em Nutrição e Dietética, expandindo-se por todo o Brasil.

Foi nesse contexto que Cleize se inscreveu no curso, em 2018, aos 54 anos, concluindo-o em 2020, já durante a pandemia da Covid-19.

Formação e desafios

Cleize descreve sua formação como “muito especial”. Durante o curso, adquiriu amplo conhecimento, contou com o apoio de professores dedicados e fez amizades que tornaram a trajetória mais leve e enriquecedora.

“Entre os principais desafios estava a pouca valorização e divulgação da profissão de técnico”, explica. “Além disso, tínhamos um mercado muito restrito de atuação, o que exigia uma dedicação ainda maior para conquistar um espaço”, relata.

Cleize com suas colegas do curso de Técnico em Nutrição e Dietética. Foto: Arquivo Pessoal

Com a evolução das possibilidades de atuação do TND, o Conselho Federal de Nutrição publicou a Resolução nº 604/2018, que define as atribuições do técnico em suas diversas áreas de trabalho. O documento descreve e delimita os espaços de desenvolvimento profissional, como alimentação coletiva, clínica, indústria e comércio de alimentos, e estabelece as atividades que exigem a supervisão de um nutricionista.

O início da trajetória profissional de Cleize ocorreu com estágios em escolas e em Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs). Foi nesse ambiente que ela viveu um dos momentos mais marcantes de sua história. Enquanto trabalhava na UAN, começou a lidar com dietas com restrições alimentares. Essa experiência lhe trouxe uma importante lição: o cuidado com a comida está nos pequenos detalhes.

“Essa vivência me ensinou a importância da atenção aos detalhes, do planejamento e do cuidado. O alimento tem um impacto direto na vida e na saúde das pessoas, e isso é um conhecimento extraordinário, pois é por meio da alimentação que conseguimos transformar vidas”, comenta Cleize.

Mudanças na profissão e perspectivas

Hoje, Cleize reconhece os avanços tecnológicos que transformaram a rotina do TND. “Temos softwares de gestão de cardápio, controle de estoque, monitoramento nutricional… São várias as ferramentas que podemos usar para agilizar processos que antes eram manuais e que hoje aumentam a precisão e a segurança”, relata.

Atualmente, Cleize não atua diretamente como TND. Contudo, conquistou um espaço que não imaginava ser possível: foi aprovada em concurso público e convocada para integrar a equipe do CRN-8, onde trabalha até hoje.

Atualmente Cleize trabalha no setor de Fiscalização do CRN-8. Foto: Conselho Regional de Nutrição 8ª Região

Cleize enxerga com otimismo o futuro da profissão no Brasil. “A lei que regularizou a profissão foi um grande passo, e isso me faz ver o futuro do TND com bastante esperança”, celebra. Para ela, a nutrição é uma área linda, que promove impacto positivo constante nas pessoas e oferece aprendizado contínuo.

Ela finaliza com um conselho: “A maturidade traz qualidades valiosas para o ser humano”.

Para quem, assim como Cleize, já passou por diversas fases da vida, é natural que encarar um novo desafio profissional pareça difícil. Mas, com coragem, é possível superar. Com a maturidade, aprendem-se virtudes como paciência, empatia, sabedoria e um olhar mais humano sobre o que fazemos.

“Hoje, com mais de 60 anos, sigo aprendendo todos os dias e tenho muito orgulho da escolha que fiz”, afirma. “Acredito que a nossa história pode mudar e inspirar outras pessoas a entenderem que nunca é tarde para recomeçar, porque a idade não limita nossos sonhos, pelo contrário, dá ainda mais sentido a eles”, finaliza.

O projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos nutricionistas e TNDs da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.

A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.

Por Pedro Henrique Oliveira Macedo – Jornalista

“Tu só te preocupa em jogar bola”: a história de Sila Mary na Nutrição Brasileira das quadras de vôlei na infância até à docência

“Tu só te preocupa em jogar bola”: a história de Sila Mary na Nutrição Brasileira das quadras de vôlei na infância até à docência

No quarto episódio da série “Valorizando os Profissionais 60+”, o CRN-8 conta a história de Sila Mary, professora e nutricionista que ajudou a moldar a profissão no Brasil, transformando desafios em oportunidades e inspirando gerações de profissionais.


Na vida, tudo o que precisamos é de um bom saque. Tal qual em um jogo de voleibol, que o saque marca início da partida, na nossa carreira, uma decisão às vezes não pensada inicialmente, pode marcar o começo de uma longa trajetória. Como no caso de Sila Mary Rodrigues Ferreira, nutricionista e a quarta entrevistada do nosso projeto “Valorizando os 60+”. Sila acompanhou a construção de um curso que estava no início, viu leis de segurança alimentar e nutricional serem desenvolvidas e leciona há mais de quatro décadas acompanhando a ciência da nutrição. Tudo isso começou, porque um dia, Sila decidiu jogar voleibol.

“Você só se preocupa em jogar, por isso não passou no vestibular”, foi o que o pai de Sila um dia disse. Para ela, que sempre foi jogadora do esporte envolvida em tantos campeonatos, até poderia fazer sentido. Ela amava jogar. Mas tiveram outros desafios também. “Eu nasci no interior do Rio Grande do Sul, em Alegrete, muito longe da capital e a preparação para cursinho praticamente inexistia”, explica. “Depois, eu decidi fazer um vestibular na Universidade Federal de Santa Maria, mas não deu certo de primeira”, recorda a profissional, explicando que, naquela época, vestibular era desconhecido para quem fosse do interior.

Na época, Sila tinha duas opções para vestibular: Bioquímica ou Educação Física – afinal, ela era jogadora, lembra? Mesmo assim, decidiu pelo primeiro curso na UFSM, que deu errado. Porém, tal qual quando você erra um ponto no jogo de voleibol, não significa o fim da partida. Sila recebeu da sua prima que cursava Arquitetura na Universidade do Vale do Rio do Sinos (UNISINOS) um folder com os cursos oferecidos pela instituição. “Foi quando eu vi escrito ‘NUTRIÇÃO’ e uma grande similaridade com Bioquímica”, relembra. Em um sotaque gaúcho tradicional, o pai de Sila perguntou “…tu queres ir estudar lá?”. E ela disse que, sim. Ela acaba de ganhar um set da partida que era sua vida.

Sila não se arrepende. Ela tinha ciência de que seria um desafio enorme, pois era uma universidade particular e seria um investimento muito grande para pai, que trabalhava duro para sustentar as filhas. Esse início já sinalizava uma das marcas da trajetória de Sila Mary: transformar obstáculos em oportunidades.

Início na universidade

Em 1975, Sila entrou no curso de Nutrição na Unisinos e se formou em 5 anos. Entre as matérias que eram oferecidas, envolvia um ciclo básico de 10 disciplinas que o aluno tinha que cursar, incluindo a extinta cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros, que era obrigatória na época da Ditadura Militar.

No primeiro ano, reprovou em uma disciplina. Dessa vez, o time adversário marcava ponto. Mas ela não desistiu. A reprovação foi na disciplina de Sociologia e o professor havia respondido, em uma conversa despretensiosa, de que ela “era muito autossuficiente”, por isso a reprovação. Se foi justa ou não, isso não impediu Sila de buscar outras oportunidades.

Vale lembrar que nas universidades particulares, ao reprovar em uma matéria, você precisa pagar novamente para refazê-la. Por isso, inscreveu-se num curso de férias de Histologia e tornou-se monitora da disciplina. Essa posição rendeu-lhe uma bolsa que ajudou a pagar parte da mensalidade e lhe proporcionou vivência acadêmica intensa. “Quando alguém lhe dá um limão, deve fazer dele uma limonada. Foi o que fiz”, conta.

O placar virou a favor de Sila. Ela teve experiência em monitoria com outras disciplinas igualmente, o que gerou maior envolvimento dela com essa área acadêmica. “Essas atividades me renderam muita experiência, pois eu ajudava em aulas práticas, auxiliava docentes na correção de trabalhos e isso fez uma extrema diferença quando eu me tornei professora na Universidade Federal do Paraná”.

Sila posando para o quadro da primeira turma do curso em 31 de março 1984. Foto: Arquivo Pessoal

Os primeiros passos no mercado e a chegada a Curitiba

Formada em 1979, Sila Mary iniciou sua carreira profissional em Santa Catarina, numa empresa de consultoria especializada em restaurantes institucionais e comerciais. Atuou em Florianópolis e Blumenau, onde chegou a elaborar projetos para cozinhas industriais, algumas ainda em funcionamento.

Entre as principais dificuldades percebidas pela profissional foram as dificuldades e o desconhecimento da área na época. “Existiam muitos profissionais oportunistas que achavam que conheciam a ciência da Nutrição. Precisávamos mostrar nosso papel a todo instante, não com bandeiras, mas com ações para mostrar a necessidade do profissional”, detalha.

Em 1981, migrou para Curitiba para integrar o recém-criado curso de Nutrição da UFPR, onde se tornaria professora titular. “Quando entrei como professora no Curso de Nutrição da UFPR, não havia docentes suficientes. Foram muitos desafios e momentos marcantes na minha caminhada, o que me rendeu um aprendizado imensurável”, relata.

Foto: Arquivo Pessoal

Sua trajetória na UFPR confunde-se com a história da Nutrição no Brasil. Sila participou dos debates sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais na década de 1980, que redefiniram as dimensões e habilidades do nutricionista. Assistiu ao nascimento da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), em 1999, e acompanhou o fortalecimento da Segurança Alimentar e Nutricional, que colocou o país em posição de referência internacional. “A partir desse marco, a Ciência da Nutrição no Brasil passou a ser referência mundial na Política de Segurança Alimentar e Nutricional”, explica.

Sila Mary, participou ativamente da Criação do Curso de graduação em Nutrição da UFPR, no início da década de 80 e foi protagonista da criação do Programa de Pós-Graduação em alimentação e Nutrição, também da UFPR.

Primeita turma do Programa de Pós Graduação em Alimentação e Nutrição (PPGan) da UFPR em 2011. Foto: Arquivo Pessoal
Foto da disciplina de Controle da Qualidade na Pós-Graduação. Foto: Arquivo Pessoal

Uma ciência em evolução: a Nutrição ontem e hoje

Ao longo das últimas quatro décadas, Sila Mary testemunhou profundas transformações na área. “O que mais evoluiu foi em relação à produção do conhecimento. A partir da década de 1990, os cursos de Nutrição começaram a ter um olhar para pesquisa e produção científica. Surgiram novos cursos de mestrado e doutorado, e essa visão, passada pelos docentes, contribuiu para estimular os discentes, resultando em profissionais mais preparados”, avalia.

Ela reconhece, no entanto, que a expansão acelerada de cursos pode comprometer a qualidade da formação. “O excesso de cursos também fez com que a formação fosse prejudicada em alguns casos, resultando em profissionais não preparados”, pondera.

Para Sila, a tecnologia representa outro divisor de águas na atuação do nutricionista. Consultas remotas, inimagináveis há algumas décadas, tornaram-se realidade. “Essa ferramenta deve ser usada com bom senso, pois a presença física do profissional é importante. A tecnologia deve ser usada com parcimônia”, afirma.

Mais do que professora, Sila Mary vê sua missão atual como a de abrir caminhos para os novos profissionais. “Amo o que faço. Trabalho com prazer. Sinto-me muito feliz acompanhando a trajetória de um egresso, quando entra e quando finaliza o curso. A evolução que teve. Principalmente para os estudantes de mestrado e doutorado, estou sempre dizendo que minha função, hoje, é abrir portas. Aqueles que desejarem se empoderar entram”, conta.

A docente se orgulha de sua posição como referência e considera o conhecimento um bem inesgotável. “Nosso conhecimento deve ser como um rio, nunca parar de correr. Precisamos estar sempre evoluindo”, aconselha aos nutricionistas mais jovens.

Foto na Revista Alimentação e Nutrição a respeitoa da criação da Associação de Nutrição do Paraná. Foto: Arquivo Pessoal.

A maturidade como força transformadora

Com mais de 60 anos, Sila Mary defende que a produção do conhecimento não tem idade. Para ela, a experiência adquirida ao longo da vida oferece aos profissionais mais maduros uma espécie de “licença poética”. “Nesse momento da vida, nossa função é deixar a porta aberta para os mais jovens entrarem. Aqueles que desejarem podem se aproveitar (no bom sentido) e se empoderar de um conhecimento já vivido, experimentado. Essa é nossa missão como docentes e nutricionistas maduros”, diz.

Ela também acredita que a Nutrição é uma ciência insubstituível pela inteligência artificial. “A IA oferece ferramentas e um potencial transformador na área da Nutrição. No entanto, é fundamental que o profissional utilize essa ferramenta de forma ética e responsável”, enfatiza.

GALERIA DO TEMPO

Inspirando o futuro da Nutrição brasileira

Com sua trajetória, Sila Mary personifica o propósito do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”: reconhecer os pioneiros que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações. Sua história ilustra não apenas as mudanças na profissão, mas também a força de quem construiu, com dedicação, um campo hoje consolidado.

“Quando estamos maduros temos a licença poética ao nosso favor, porém sem perder a responsabilidade da produção do conhecimento”, sintetiza. Essa frase, que ecoa como um manifesto, traduz a essência de uma carreira dedicada à ciência e à formação de profissionais. A conclusão que podemos ter é que nessa partida que é a vida, a Sila saiu vitoriosa. E toda essa trajetória só foi possível, porque um dia ela decidiu jogar voleibol.

Por Pedro Henrique Oliveira Macedo – Jornalista

“Ser nutricionista é uma arte”: entre incertezas e desafios, Glória viu a profissão se estabelecer como referência na saúde

“Ser nutricionista é uma arte”: entre incertezas e desafios, Glória viu a profissão se estabelecer como referência na saúde

Como parte do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, contamos a história da profissional Glória Maria e os desafios enfrentados na nutrição clínica

CURITIBA — Nos primórdios, os primeiros seres humanos caçavam seu alimento mais por uma questão de instinto e adaptação ao ambiente. Com o passar dos anos, civilizações antigas como Egito, Grécia e Roma começaram a ver a alimentação de forma mais sistemática, especialmente com o cultivo e a domesticação dos animais. Não demorou muito para, a partir de então, começar uma grande revolução partindo da Idade Média e Renascença até a revolução científica e a era de descobertas com pesquisadores como Antoine Lavoisier com os estudos do metabolismo até Casimir Funk com a descoberta das vitaminas.

Toda essa evolução foi gradual e aos poucos o mundo passou a entender cada vez mais como a nutrição tem um papel importante na atuação clínica. Hoje, a área é robusta e com grande atuação em hospitais e clínicas. Foi nesse contexto em que Glória Maria Alves da Silva, ou Glorinha para os íntimos, se encantou pela nutrição. “Sempre amei a área clínica, alimentado pelo meu desejo de ajudar pessoas”, comenta.

No terceiro quadro do projeto Valorizando os Profissionais 60+, o CRN-8 traz a história da profissional que iniciou a sua atuação na nutrição em um momento de incertezas e dificuldades. Porém, aos poucos, galgou seu espaço e começou a trabalhar na clínica inspirada pelo seu amor à área.

Início na profissão

Glória se sentiu atraída pela Nutrição por ser um curso novo na área da saúde. Com muita expectativa a respeito da profissão, ela se matriculou no curso na Universidade Federal do Paraná (UFPR) que teve a sua primeira turma em 1980 e deu o primeiro passo a uma carreira que mudaria sua vida.

No entanto, os desafios persistiam. “A gente tinha muita dificuldade com os estudos, pois não existiam materiais específicos para a área da nutrição e era o início de muitos consensos que estavam em construção para basear e protocolar o exercício da profissão”, comenta. Uma das aulas que Gloria fez foi na disciplina de “Bioquímica de Alimentos” que falava sobre água livre nos alimentos. “A gente teve que ler diversos livros das disciplinas de bioquímica celular, bromatologia, fisiologia para ser ter uma ideia sobre o assunto, pois não tinha um compilado focado para a Nutrição”, exemplifica.

Mas, não eram só esses os desafios. O reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (MEC) ainda estava pendente e os estudos eram atrelados pela incerteza de o curso fechar ou não. “Foi graças a movimentação dos alunos e professores na época, que conseguimos manter o curso funcionando”, explica. “Além disso, a gente tinha uma vontade muito grande de trabalhar na área, especialmente porque o campo de pesquisas permitia muitas possibilidades de investigações e análises a serem feitas”, relembra.

O início na atuação profissional

Mesmo com a paixão pela área clínica, o trabalho de Glória começou na produção de alimentos. Ela trabalhava na elaboração de ficha técnicas das preparações, procurando sempre mostrar um diferencial em seu trabalho. Ela ficou nessa área entre os anos de 1984 e 1989. Naquela época, o profissional já executava a ficha técnica das preparações, mas era chamado de ordem de produção. Nesta ordem, tinha todos os ingredientes da preparação, o peso bruto e líquido, baseado no fator de correção, onde fazia a multiplicação pelo número de comensais para elaborar a lista de compras. Este processo era informatizado em um programa da época onde a tela era preta e o texto era de coloração verde.

Até que uma notícia iria chegar e mudar o rumo de sua carreira: a abertura do primeiro concurso para Nutricionistas da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). A prova foi realizada em 1988 e a nomeação aconteceu em 1989. Foi então, que ela começou a atuar na clínica.

Entre as principais dificuldades encontradas, Glória cita a falta de entendimento sobre a atuação do nutricionista. “Muitos colegas confundiam a nossa atuação, várias pessoas desconheciam o papel do nutricionista, e por esta razão, era uma dificuldade conversar com as pessoas”, explica.

Contudo, existem momentos em sua memória que fazem todo esforço valer a pena. “Uma vez, um médio de renome no Hospital em que trabalhava me nomeou como responsável para repassar informações a respeito de um paciente em estado grave. Primeiramente, eu achei que ele tinha confundido e disse que era ‘nutricionista e não médica’. A resposta me surpreendeu: ele respondeu que havia pedido para mim, justamente, por essa razão, porque eu sabia qual era a dieta fornecida ao paciente e essa era uma das questões que impactaria significativamente no desfecho do caso”, relata Glória.

Principais mudanças na profissão

Para Glória, a profissão mudou muito ao longo dos anos. Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento científico dos protocolos que tangem a profissão, a nutrição se tornou cada vez mais reconhecida. “É muito bom ver a evolução da nossa profissão. Agora temos pareceres técnicos que cabem somente ao nutricionista, como a dieta enteral como prática do nutricionista e diversos protocolos que foram, inclusive, reconhecidos por órgãos como a Prefeitura Municipal de Curitiba”, exemplifica.

Mas, as mudanças não vieram de forma fácil. Glória comenta que durante a sua carreira, ela encontrou diversos desafios. “Sofríamos muito com o desconhecimento da nossa área de atuação e a falta de valorização por outros profissionais da saúde”, explica. Contudo, aos poucos, esse espaço foi sendo conquistado com muita pesquisa e paciência.

“O que mais me deixa feliz é perceber que com essa valorização, atualmente, a maioria dos pacientes solicitam a presença de um nutricionista e temos nosso espaço cada vez mais respeitado”, comemora Glória. Com as mudanças, a profissão ganhou cada vez mais fôlego e relevância em seu espaço.

Perspectiva e legado

Ao ser perguntada o que a motiva continuar atuando como nutricionista, Glória responde que o seu maior combustível é o amor. “Eu gosto muito da profissão e sei que somos capazes de mudar vidas. Por isso, vejo muito a nossa profissão como uma arte e o que eu deixo de ensinamento aos jovens profissionais é não desistirem da carreira”, finaliza.

O projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos nutricionistas da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.

A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.

Por Pedro Henrique Oliveira Macedo – Jornalista

“Na época, era tudo mais manual e menos dinâmico”: Deise Baptista e a evolução da Nutrição baseada em evidências científicas

“Na época, era tudo mais manual e menos dinâmico”: Deise Baptista e a evolução da Nutrição baseada em evidências científicas

No segundo quadro do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, acompanhamos o testemunho da atual presidente do CRN-8, que viu a nutrição se consolidar como área de pesquisa científica


Deise Regina Baptista assumiu a presidência do CRN-8 em outubro de 2024

Limão com água morna em jejum, o vilão imaginário do glúten, a exclusão indiscriminada da lactose e o temor infundado aos carboidratos. Em tempos de redes sociais, mitos alimentares se espalham como rastilho de pólvora, desafiando a ciência e colocando em risco a saúde coletiva. Em resposta a essa avalancha de desinformação, o Conselho Federal de Nutrição (CFN) lançou em 2024 a campanha Nutrição é Ciência, reafirmando o compromisso com uma prática profissional embasada em evidências.

Mas nem sempre a nutrição ocupou esse lugar de reconhecimento. Nos anos 1980, a profissão ainda lutava por espaço, respeito e regulamentação. Os recursos tecnológicos eram escassos e o prestígio, limitado. Era preciso coragem para trilhar esse caminho, que Deise Regina Baptista trilhou com firmeza. Hoje presidente do Conselho Regional de Nutrição da 8ª Região (CRN-8), Deise é uma dessas vozes que moldaram o presente da Nutrição, ecoando lutas que não devem ser esquecidas.

O CRN-8 lança a segunda edição do projeto Valorizando os Profissionais 60+, uma iniciativa voltada à valorização dos profissionais dessa faixa etária e as suas vivências ao longo da vida profissional.

Na história de hoje, vamos conhecer mais sobre a trajetória de Deise, que assim como outros profissionais, se envolveu na área acadêmica e percorreu um caminho como professora, contribuindo, de certa forma, para a consolidação da nutrição baseada em evidências.

Uma juventude marcada pelo desejo de cuidar

Desde muito jovem, Deise já demonstrava sensibilidade por temas ligados à saúde e à qualidade de vida. “O que me motivou a seguir essa carreira foi o desejo de ajudar as pessoas a viverem melhor e ter uma melhor qualidade de vida”, relembra com ternura. Cursou Nutrição na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e, em 1987, obteve o diploma. Seu primeiro desafio profissional foi no Hospital Universitário Júlio Muller, onde atuou como nutricionista convidada.

“Naquela época, tudo era mais limitado. As pesquisas eram feitas em livros, nada de Google, Bases de Dados Científicas, Inteligência Artificial, e o trabalho era majoritariamente manual”, conta. A tecnologia ainda engatinhava, e o cenário da saúde pública oferecia poucos recursos. Apesar disso, o entusiasmo por fazer a diferença prevalecia. “Mesmo com as dificuldades, a gente não desistia. Trabalhávamos com dedicação para oferecer o melhor possível aos pacientes”, relembra.

O encontro com a docência: um sonho realizado

O hospital foi ponto de partida, mas o coração de Deise batia também pela sala de aula. Fez especializações em Saúde Pública e em Administração Hospitalar, consolidando a base que a levaria à docência. Em 1990, passou no concurso para professora da UFMT, a mesma universidade onde se formara.

“O meu sonho sempre foi ensinar. Poder voltar à instituição como professora foi uma conquista imensa”, afirma. A experiência hospitalar, agora transposta para o ensino superior, servia de ponte entre a teoria e a prática. Em 1992, Deise se transferiu para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, onde seguiu sua trajetória acadêmica com ainda mais vigor. Ingressou no mestrado, no doutorado e em múltiplos cursos de atualização, especialmente na área clínica, que tanto a encantava.

Um percurso de luta e reconhecimento

Ao longo de sua carreira, Deise vivenciou as dificuldades impostas à profissão — o preconceito de outros profissionais da saúde, a incompreensão sobre o real papel do nutricionista e a escassez de oportunidades práticas. “Algumas vezes nos deparávamos com situações em que os interlocutores não reconheciam a importância da Nutrição e desconheciam as atividades profissionais do Nutricionista”, relembra.

Essa realidade, porém, mudou com o tempo. Com o avanço da ciência, o campo da Nutrição passou a ser valorizado como parte fundamental da promoção da saúde. Deise esteve presente nessa transformação, não somente como espectadora, mas como protagonista, seja na produção científica, bem como na orientação e tutoria de novos profissionais.

Em abril de 2025, durante uma participação do CRN-8 na Câmara Municipal de Araucária (região metropolitana de Curitiba), alguns nutricionistas da cidade foram ao local prestigiar o discurso da presidente no plenário da câmara. Coincidentemente, a maioria dos profissionais foi alunos da Deise. “Ainda hoje eu encontro ex-alunos com quem trabalhei, ou ainda trabalho, reconhecidos pelo seu profissionalismo, ética e competência, o que me admira profundamente e me dá orgulho de dizer: dever cumprido”, relata Deise emocionada.

Na presidência do CRN-8, Deise tem realizado diversas ações de Relações Institucionais e Governamentais. Na foto, ela está presente em uma audiência da Frente Parlamentar da Medicina e Odontologia da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).

As Doenças Crônicas como missão de vida

Entre os diversos temas que marcaram sua trajetória, um se destacou com força singular: as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Diabetes mellitus, hipertensão arterial e obesidade passaram a ser objetos de estudo e cuidado constante. Sua dissertação de mestrado e a tese de doutorado exploraram com profundidade a diabetes mellitus — uma das grandes epidemias silenciosas do século.

“Tive a oportunidade de realizar estudos no exterior e de ingressar na Sociedade Brasileira de Diabetes, o que foi um marco na minha vida profissional”, compartilha. Suas publicações ganharam projeção nacional e ajudaram a consolidar sua autoridade no campo. Integra desde os anos 2000 a Sociedade Brasileira de Diabetes, somando sua voz às de outros especialistas comprometidos com o avanço da ciência.

Uma nova Nutrição, novos horizontes

Deise testemunhou uma grande mudança. A Nutrição de hoje é mais tecnológica, integrada e baseada em evidências. “Temos softwares de análise de dietas, exames laboratoriais sofisticados e acesso rápido à informação científica. Antes, tudo era mais demorado, mais artesanal”, explica.

A relação entre profissional e paciente também se transformou. Hoje, o cuidado é multidisciplinar, integrando médicos, psicólogos, educadores físicos e, claro, o próprio paciente, que deixa de ser passivo para se tornar agente da própria saúde. “O nutricionista não é mais apenas um prescritor, mas um facilitador. Alguém que escuta, orienta, acompanha”, finaliza.

Em meio a mitos e desinformação, é urgente lembrar que Nutrição é ciência — mas também é história, memória, legado. Deise Regina Baptista nos mostra, com sua trajetória, que cada atendimento, cada aula e cada artigo publicado são sementes lançadas no solo fértil de um Brasil mais saudável, mais justo e mais consciente.

Valorizando quem abriu caminho

O projeto Valorizando os Profissionais 60+, uma homenagem aos nutricionistas da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.

A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.

“Muitas pessoas sequer sabiam o que faz um nutricionista”: trajetória de Vanessa Penteado mostra o pioneirismo na valorização da profissão

“Muitas pessoas sequer sabiam o que faz um nutricionista”: trajetória de Vanessa Penteado mostra o pioneirismo na valorização da profissão

Vanessa é secretária do CRN-8 e primeira personagem do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, que aborda vivências e relatos de profissionais da terceira idade na época de consolidação da Nutrição no Brasil.


Seu nome é Vanessa Costa Penteado. Aos 65 anos, ela se emociona ao relembrar sua trajetória de mais de quatro décadas, essencial para a consolidação da profissão e o reconhecimento da Nutrição como área estratégica na promoção da saúde. Nutricionista e secretária da Gestão 2024-2027 do Conselho Regional de Nutrição da 8ª Região, Vanessa é a primeira convidada do Projeto Valorizando os Profissionais 60+, uma iniciativa do CRN-8 voltada à valorização dos profissionais da terceira idade e suas vivências na nutrição. Com foco total no entrevistado, a proposta é trazer relatos e experiências que iluminam o caminho percorrido até os dias de hoje.

Início da trajetória

“Ao longo da minha trajetória profissional, vivi muitos momentos marcantes, que foram fundamentais para entender a profissional que sou hoje”, conta Vanessa. No entanto, sua história com a nutrição começa a mais de 700 quilômetros de Curitiba, no Rio Grande do Sul. Nascida e criada em Curitiba, Vanessa prestou vestibular para a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, porque seu companheiro da época também fez o processo seletivo para essa instituição. Outro fator que incentivou a mudança foi o fato de que na Universidade Federal do Paraná ainda não existia o curso de Nutrição. Ela sempre valorizou os estudos e optou pelo curso de Nutrição, motivada tanto por afinidade com a área quanto pelo incentivo do marido.

“Na Unisinos, o curso exigia que todos os alunos passassem por um ciclo básico antes de ingressarem nas disciplinas específicas”, relembra. “Foi durante esse período que me apaixonei pela Nutrição. Escolhi essa profissão por minha afinidade com as Ciências Humanas, mas também por influência do meu contexto pessoal”. Mas, espera… Ciências Humanas?

Isso mesmo, o curso não era como o conhecemos. Conforme o Conselho Federal de Nutrição, o primeiro curso de Nutrição no Brasil foi criado em 1939 na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O curso tinha duração de um ano, era ministrado em tempo integral e dividido em quatro períodos. Conforme um estudo de 70 anos da história da profissão publicado em 2011, no Brasil, a regulamentação da profissão de nutricionista foi estabelecida em 24 de abril de 1967, com a sanção da Lei nº 5.276 pelo então Presidente da República, General Artur da Costa e Silva. Essa legislação dispôs sobre o reconhecimento da profissão de nutricionista, regulamentando seu exercício e estabelecendo as bases legais para sua atuação no país.

Esse processo de regulamentação consolidou a Nutrição como campo das Ciências da Saúde. Entretanto, até os anos 1970, era comum que a formação tivesse um viés mais humanista, com abordagens sociais e educacionais, o que a aproximava das Ciências Humanas, gerando no pensamento da época uma associação da Nutrição às humanidades.

Na Unisinos, o curso de Nutrição foi implementado em 1972. Vanessa ingressou na universidade logo após esse período. “Era uma instituição bem conceituada e acessível, que atraía estudantes de diferentes regiões do Brasil”, lembra.

No início da década de 1980, seu marido recebeu uma proposta de trabalho em Curitiba. Determinada a concluir sua formação, Vanessa se mudou com a família e conseguiu a transferência para o recém-criado curso de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR), inaugurado em 1979.

“Cheguei em 1981. O curso enfrentava sérias dificuldades estruturais e quase foi encerrado por falta de professores e recursos”, recorda. “Nós, alunas, nos mobilizamos, fomos até a Assembleia Legislativa e lutamos pela continuidade do curso”. E deu certo. A mobilização foi crucial para a consolidação da graduação na UFPR.

Vanessa integrou a segunda turma da universidade e relembra os inúmeros desafios enfrentados. “Tínhamos poucas professoras com experiência acadêmica, e a estrutura era bastante precária”, comenta. “A maioria das docentes vinha da Unisinos, já que ainda não havia nutricionistas formadas em Curitiba para assumir essas funções.”

Graças à continuidade do curso, alunos e professores puderam seguir na carreira. “O mercado estava em expansão, e a abertura da graduação trouxe oportunidades profissionais para essas mulheres.”

Reconhecimento da profissão de nutricionista

Além das dificuldades estruturais, havia ainda a falta de reconhecimento da profissão. “Percebi um grande contraste ao chegar a Curitiba. O curso era novo, e muitas pessoas sequer sabiam o que fazia uma nutricionista. Quando eu dizia que estudava Nutrição, perguntavam: ‘O que é isso?’, achando que se tratava apenas de cozinhar ou trabalhar em restaurantes”, comenta. Mesmo assim, Vanessa e suas colegas mantinham o compromisso de fortalecer a profissão e destacar sua importância na saúde pública.

Mercado de trabalho

A carreira após a formatura foi promissora. “Me formei em 2 de setembro de 1985 e, já no dia seguinte, estava empregada”, comemora. Na época, havia grande demanda por nutricionistas, impulsionada pelo crescimento das indústrias na Cidade Industrial de Curitiba e pela implementação do Programa de Alimentação do Trabalhador, que exigia a presença desses profissionais nos refeitórios empresariais. A maior parte das oportunidades estava na área de alimentação coletiva, setor ao qual Vanessa dedicou parte de sua vida.

Seu primeiro emprego foi em uma empresa terceirizada responsável pela supervisão da concessionária de alimentos da Telecomunicações do Paraná S/A (Telepar). Ou seja, trabalhava em uma empresa contratada pela Telepar para fiscalizar outra empresa, também contratada pela Telepar. Confuso? Um pouco. Mas deu certo para a entrevistada. “O ambiente era exigente, e a nutricionista da Telepar fiscalizava todos os processos com muito rigor. Mas isso foi um grande aprendizado. Entendi a importância de seguir padrões elevados de qualidade e segurança dos alimentos”, explica.

Pouco depois, surgiu uma vaga na própria empresa de alimentação terceirizada da Telepar — justamente aquela que Vanessa fiscalizava — e ela foi contratada. “Passei a atuar diretamente na produção de refeições para os funcionários, o que ampliou ainda mais minha experiência”, relata.

Em 1986, ela foi aprovada em um processo seletivo para atuar como nutricionista no Sesc e permaneceu por 30 anos.

Os desafios, como sempre, foram muitos. “Trabalhar com alimentação envolve adversidades, porque muitas pessoas acham que entendem do assunto por cozinharem em casa”, desabafa. No ambiente profissional, isso se traduzia em opiniões constantes sobre a gestão da cozinha, como se fosse uma extensão do ambiente doméstico.

“A necessidade de estabelecer regras e orientar os funcionários sobre controle sanitário e segurança dos alimentos foi um processo que exigiu tempo”, explica. “Mas, aos poucos, conseguimos transformar a cozinha em um verdadeiro ambiente de produção, onde os manipuladores de alimentos compreenderam sua responsabilidade com a saúde da população.”

Vanessa atuava com produção em larga escala, fornecendo milhares de refeições por dia em diversos municípios do Paraná. “O desafio era garantir que os alimentos fossem não apenas nutritivos e saborosos, mas também microbiologicamente seguros”, destaca. Outra dificuldade recorrente era a valorização dos profissionais da alimentação, frequentemente vistos como secundários. “Nosso trabalho sempre foi mostrar que cozinhar em grande escala exige conhecimento técnico e profissionalismo. Vai muito além de simplesmente ‘fazer comida’.”

Ela finaliza com ternura e gratidão: “Trabalhar no Sesc foi um grande aprendizado, cheio de desafios e conquistas”. Ao longo de sua trajetória, ela assumiu também o cargo de gerência e coordenou os programas na área de saúde, incluindo os serviços de alimentação. “Eu gosto de pensar que minha história pode servir de inspiração para os novos profissionais que estão começando na nutrição. Com esforço e dedicação, você consegue conquistar cargos com maior responsabilidade e demonstra a competência do seu trabalho”, explica.

Hoje, Vanessa está aposentada, mas permanece ativa no Conselho Regional de Nutrição. Atua em diversas comissões e atividades do CRN-8, compartilhando sua experiência, criatividade e conhecimento com as novas gerações.