“A idade não limita nossos sonhos, dá mais sentido a eles”: a história da TND Cleize, que recomeçou aos 54 anos
Em mais um episódio da série “Valorizando os 60+”, vamos conhecer a história de Cleize Wapenik, um exemplo de que não existe momento certo para reescrever a nossa história.

Percorrendo as redes sociais, é possível encontrar uma postagem que diz: “você não está atrasado em uma vida que é sua”. De autoria desconhecida, mas com um significado que impacta a todos, essa frase reforça que, em um mundo de comparações, não podemos esquecer que a trajetória sempre será única para cada um de nós.
Mudar de casa, fazer um novo curso, recalcular a rota… tudo isso faz parte da nossa história. Estava destinado a acontecer. Providencial.
Essa providência foi a que alcançou Cleize de Fátima Wapenik, entrevistada para o quadro “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos profissionais da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.
Cleize já exerceu diversas atividades profissionais ao longo da vida. Mas, aos 54 anos, quando a filha estava prestes a se formar na universidade, uma necessidade simples, pagar a formatura da filha, tornou-se o incentivo para o início de uma nova fase. Ela é Técnica em Nutrição e Dietética (TND), formou-se aos 56 anos e hoje trabalha no Setor de Fiscalização do CRN-8.
Cleize também representa um marco. A profissional já atuava no Conselho na época do reconhecimento da profissão, com a Lei nº 14.924/2024. Além de garantir mais segurança jurídica, esse ato definiu com clareza as atribuições do TND e reforçou a importância da atuação conjunta com o nutricionista. Contudo, os TNDs já atuavam muito antes dessa lei, contribuindo de forma significativa para a área da nutrição.
A história de hoje é sobre valorização profissional, mas também sobre recomeços — e sobre como deveríamos lembrar que o tempo adequado para a nossa vida é aquele que nós mesmos determinamos.
O começo no curso de TND
Cleize tem uma vasta experiência de trabalho. Já atuou em banco, revendeu produtos de cosméticos e dedicou boa parte da vida às atividades do lar. Nascida em Paranaguá (litoral do Estado), enfrentou diversos desafios, sempre com o propósito de cuidar dos filhos: dois rapazes e uma menina.
Em 2017, quando já morava em Curitiba, Cleize recebeu uma notícia que aquece o coração de toda mãe: sua filha se formaria na universidade. Com a alegria de ver a filha concluindo o ensino superior, ela precisou se organizar para ajudá-la a pagar a formatura. A saída foi empreender em algo que sempre adorou, desde que se entende por gente: fazer bolos e doces.
“Nessa época, comecei a vender para alguns amigos, que gostaram e recomendaram que eu investisse nessa área”, relembra. “Depois de um tempo, passei a vender para os moradores do condomínio onde morava, e foi isso que ajudou a transformar em realidade o sonho da minha filha”, diz.
Contudo, o desejo de tornar essa atividade uma profissão persistiu. Interessada em compreender como a alimentação pode influenciar a saúde das pessoas e em se capacitar para fazer a diferença, Cleize buscou algumas opções. E encontrou uma saída: a inscrição no curso técnico em Nutrição e Dietética no Colégio Júlia Wanderley, em Curitiba.

As escolas técnicas no Brasil começaram suas atividades no início do século XX, com a instituição das Escolas de Aprendizes e Artífices em 1909, criadas por Nilo Peçanha, então presidente do país.
Em 1961, um decreto criou novos cursos técnicos devido à grande demanda, entre eles o de Dietética, voltado principalmente às mulheres em suas atribuições domésticas. Com o passar do tempo, o curso evoluiu e passou a se chamar Técnico em Nutrição e Dietética, expandindo-se por todo o Brasil.
Foi nesse contexto que Cleize se inscreveu no curso, em 2018, aos 54 anos, concluindo-o em 2020, já durante a pandemia da Covid-19.
Formação e desafios
Cleize descreve sua formação como “muito especial”. Durante o curso, adquiriu amplo conhecimento, contou com o apoio de professores dedicados e fez amizades que tornaram a trajetória mais leve e enriquecedora.
“Entre os principais desafios estava a pouca valorização e divulgação da profissão de técnico”, explica. “Além disso, tínhamos um mercado muito restrito de atuação, o que exigia uma dedicação ainda maior para conquistar um espaço”, relata.

Com a evolução das possibilidades de atuação do TND, o Conselho Federal de Nutrição publicou a Resolução nº 604/2018, que define as atribuições do técnico em suas diversas áreas de trabalho. O documento descreve e delimita os espaços de desenvolvimento profissional, como alimentação coletiva, clínica, indústria e comércio de alimentos, e estabelece as atividades que exigem a supervisão de um nutricionista.
O início da trajetória profissional de Cleize ocorreu com estágios em escolas e em Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs). Foi nesse ambiente que ela viveu um dos momentos mais marcantes de sua história. Enquanto trabalhava na UAN, começou a lidar com dietas com restrições alimentares. Essa experiência lhe trouxe uma importante lição: o cuidado com a comida está nos pequenos detalhes.
“Essa vivência me ensinou a importância da atenção aos detalhes, do planejamento e do cuidado. O alimento tem um impacto direto na vida e na saúde das pessoas, e isso é um conhecimento extraordinário, pois é por meio da alimentação que conseguimos transformar vidas”, comenta Cleize.
Mudanças na profissão e perspectivas
Hoje, Cleize reconhece os avanços tecnológicos que transformaram a rotina do TND. “Temos softwares de gestão de cardápio, controle de estoque, monitoramento nutricional… São várias as ferramentas que podemos usar para agilizar processos que antes eram manuais e que hoje aumentam a precisão e a segurança”, relata.
Atualmente, Cleize não atua diretamente como TND. Contudo, conquistou um espaço que não imaginava ser possível: foi aprovada em concurso público e convocada para integrar a equipe do CRN-8, onde trabalha até hoje.

Cleize enxerga com otimismo o futuro da profissão no Brasil. “A lei que regularizou a profissão foi um grande passo, e isso me faz ver o futuro do TND com bastante esperança”, celebra. Para ela, a nutrição é uma área linda, que promove impacto positivo constante nas pessoas e oferece aprendizado contínuo.
Ela finaliza com um conselho: “A maturidade traz qualidades valiosas para o ser humano”.
Para quem, assim como Cleize, já passou por diversas fases da vida, é natural que encarar um novo desafio profissional pareça difícil. Mas, com coragem, é possível superar. Com a maturidade, aprendem-se virtudes como paciência, empatia, sabedoria e um olhar mais humano sobre o que fazemos.
“Hoje, com mais de 60 anos, sigo aprendendo todos os dias e tenho muito orgulho da escolha que fiz”, afirma. “Acredito que a nossa história pode mudar e inspirar outras pessoas a entenderem que nunca é tarde para recomeçar, porque a idade não limita nossos sonhos, pelo contrário, dá ainda mais sentido a eles”, finaliza.
O projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos nutricionistas e TNDs da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.
A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.
Por Pedro Henrique Oliveira Macedo – Jornalista