“Na época, era tudo mais manual e menos dinâmico”: Deise Baptista e a evolução da Nutrição baseada em evidências científicas

“Na época, era tudo mais manual e menos dinâmico”: Deise Baptista e a evolução da Nutrição baseada em evidências científicas

No segundo quadro do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, acompanhamos o testemunho da atual presidente do CRN-8, que viu a nutrição se consolidar como área de pesquisa científica


Deise Regina Baptista assumiu a presidência do CRN-8 em outubro de 2024

Limão com água morna em jejum, o vilão imaginário do glúten, a exclusão indiscriminada da lactose e o temor infundado aos carboidratos. Em tempos de redes sociais, mitos alimentares se espalham como rastilho de pólvora, desafiando a ciência e colocando em risco a saúde coletiva. Em resposta a essa avalancha de desinformação, o Conselho Federal de Nutrição (CFN) lançou em 2024 a campanha Nutrição é Ciência, reafirmando o compromisso com uma prática profissional embasada em evidências.

Mas nem sempre a nutrição ocupou esse lugar de reconhecimento. Nos anos 1980, a profissão ainda lutava por espaço, respeito e regulamentação. Os recursos tecnológicos eram escassos e o prestígio, limitado. Era preciso coragem para trilhar esse caminho, que Deise Regina Baptista trilhou com firmeza. Hoje presidente do Conselho Regional de Nutrição da 8ª Região (CRN-8), Deise é uma dessas vozes que moldaram o presente da Nutrição, ecoando lutas que não devem ser esquecidas.

O CRN-8 lança a segunda edição do projeto Valorizando os Profissionais 60+, uma iniciativa voltada à valorização dos profissionais dessa faixa etária e as suas vivências ao longo da vida profissional.

Na história de hoje, vamos conhecer mais sobre a trajetória de Deise, que assim como outros profissionais, se envolveu na área acadêmica e percorreu um caminho como professora, contribuindo, de certa forma, para a consolidação da nutrição baseada em evidências.

Uma juventude marcada pelo desejo de cuidar

Desde muito jovem, Deise já demonstrava sensibilidade por temas ligados à saúde e à qualidade de vida. “O que me motivou a seguir essa carreira foi o desejo de ajudar as pessoas a viverem melhor e ter uma melhor qualidade de vida”, relembra com ternura. Cursou Nutrição na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e, em 1987, obteve o diploma. Seu primeiro desafio profissional foi no Hospital Universitário Júlio Muller, onde atuou como nutricionista convidada.

“Naquela época, tudo era mais limitado. As pesquisas eram feitas em livros, nada de Google, Bases de Dados Científicas, Inteligência Artificial, e o trabalho era majoritariamente manual”, conta. A tecnologia ainda engatinhava, e o cenário da saúde pública oferecia poucos recursos. Apesar disso, o entusiasmo por fazer a diferença prevalecia. “Mesmo com as dificuldades, a gente não desistia. Trabalhávamos com dedicação para oferecer o melhor possível aos pacientes”, relembra.

O encontro com a docência: um sonho realizado

O hospital foi ponto de partida, mas o coração de Deise batia também pela sala de aula. Fez especializações em Saúde Pública e em Administração Hospitalar, consolidando a base que a levaria à docência. Em 1990, passou no concurso para professora da UFMT, a mesma universidade onde se formara.

“O meu sonho sempre foi ensinar. Poder voltar à instituição como professora foi uma conquista imensa”, afirma. A experiência hospitalar, agora transposta para o ensino superior, servia de ponte entre a teoria e a prática. Em 1992, Deise se transferiu para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, onde seguiu sua trajetória acadêmica com ainda mais vigor. Ingressou no mestrado, no doutorado e em múltiplos cursos de atualização, especialmente na área clínica, que tanto a encantava.

Um percurso de luta e reconhecimento

Ao longo de sua carreira, Deise vivenciou as dificuldades impostas à profissão — o preconceito de outros profissionais da saúde, a incompreensão sobre o real papel do nutricionista e a escassez de oportunidades práticas. “Algumas vezes nos deparávamos com situações em que os interlocutores não reconheciam a importância da Nutrição e desconheciam as atividades profissionais do Nutricionista”, relembra.

Essa realidade, porém, mudou com o tempo. Com o avanço da ciência, o campo da Nutrição passou a ser valorizado como parte fundamental da promoção da saúde. Deise esteve presente nessa transformação, não somente como espectadora, mas como protagonista, seja na produção científica, bem como na orientação e tutoria de novos profissionais.

Em abril de 2025, durante uma participação do CRN-8 na Câmara Municipal de Araucária (região metropolitana de Curitiba), alguns nutricionistas da cidade foram ao local prestigiar o discurso da presidente no plenário da câmara. Coincidentemente, a maioria dos profissionais foi alunos da Deise. “Ainda hoje eu encontro ex-alunos com quem trabalhei, ou ainda trabalho, reconhecidos pelo seu profissionalismo, ética e competência, o que me admira profundamente e me dá orgulho de dizer: dever cumprido”, relata Deise emocionada.

Na presidência do CRN-8, Deise tem realizado diversas ações de Relações Institucionais e Governamentais. Na foto, ela está presente em uma audiência da Frente Parlamentar da Medicina e Odontologia da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).

As Doenças Crônicas como missão de vida

Entre os diversos temas que marcaram sua trajetória, um se destacou com força singular: as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Diabetes mellitus, hipertensão arterial e obesidade passaram a ser objetos de estudo e cuidado constante. Sua dissertação de mestrado e a tese de doutorado exploraram com profundidade a diabetes mellitus — uma das grandes epidemias silenciosas do século.

“Tive a oportunidade de realizar estudos no exterior e de ingressar na Sociedade Brasileira de Diabetes, o que foi um marco na minha vida profissional”, compartilha. Suas publicações ganharam projeção nacional e ajudaram a consolidar sua autoridade no campo. Integra desde os anos 2000 a Sociedade Brasileira de Diabetes, somando sua voz às de outros especialistas comprometidos com o avanço da ciência.

Uma nova Nutrição, novos horizontes

Deise testemunhou uma grande mudança. A Nutrição de hoje é mais tecnológica, integrada e baseada em evidências. “Temos softwares de análise de dietas, exames laboratoriais sofisticados e acesso rápido à informação científica. Antes, tudo era mais demorado, mais artesanal”, explica.

A relação entre profissional e paciente também se transformou. Hoje, o cuidado é multidisciplinar, integrando médicos, psicólogos, educadores físicos e, claro, o próprio paciente, que deixa de ser passivo para se tornar agente da própria saúde. “O nutricionista não é mais apenas um prescritor, mas um facilitador. Alguém que escuta, orienta, acompanha”, finaliza.

Em meio a mitos e desinformação, é urgente lembrar que Nutrição é ciência — mas também é história, memória, legado. Deise Regina Baptista nos mostra, com sua trajetória, que cada atendimento, cada aula e cada artigo publicado são sementes lançadas no solo fértil de um Brasil mais saudável, mais justo e mais consciente.

Valorizando quem abriu caminho

O projeto Valorizando os Profissionais 60+, uma homenagem aos nutricionistas da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.

A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.