“Ser nutricionista é uma arte”: entre incertezas e desafios, Glória viu a profissão se estabelecer como referência na saúde
Como parte do projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, contamos a história da profissional Glória Maria e os desafios enfrentados na nutrição clínica
CURITIBA — Nos primórdios, os primeiros seres humanos caçavam seu alimento mais por uma questão de instinto e adaptação ao ambiente. Com o passar dos anos, civilizações antigas como Egito, Grécia e Roma começaram a ver a alimentação de forma mais sistemática, especialmente com o cultivo e a domesticação dos animais. Não demorou muito para, a partir de então, começar uma grande revolução partindo da Idade Média e Renascença até a revolução científica e a era de descobertas com pesquisadores como Antoine Lavoisier com os estudos do metabolismo até Casimir Funk com a descoberta das vitaminas.
Toda essa evolução foi gradual e aos poucos o mundo passou a entender cada vez mais como a nutrição tem um papel importante na atuação clínica. Hoje, a área é robusta e com grande atuação em hospitais e clínicas. Foi nesse contexto em que Glória Maria Alves da Silva, ou Glorinha para os íntimos, se encantou pela nutrição. “Sempre amei a área clínica, alimentado pelo meu desejo de ajudar pessoas”, comenta.
No terceiro quadro do projeto Valorizando os Profissionais 60+, o CRN-8 traz a história da profissional que iniciou a sua atuação na nutrição em um momento de incertezas e dificuldades. Porém, aos poucos, galgou seu espaço e começou a trabalhar na clínica inspirada pelo seu amor à área.

Início na profissão
Glória se sentiu atraída pela Nutrição por ser um curso novo na área da saúde. Com muita expectativa a respeito da profissão, ela se matriculou no curso na Universidade Federal do Paraná (UFPR) que teve a sua primeira turma em 1980 e deu o primeiro passo a uma carreira que mudaria sua vida.
No entanto, os desafios persistiam. “A gente tinha muita dificuldade com os estudos, pois não existiam materiais específicos para a área da nutrição e era o início de muitos consensos que estavam em construção para basear e protocolar o exercício da profissão”, comenta. Uma das aulas que Gloria fez foi na disciplina de “Bioquímica de Alimentos” que falava sobre água livre nos alimentos. “A gente teve que ler diversos livros das disciplinas de bioquímica celular, bromatologia, fisiologia para ser ter uma ideia sobre o assunto, pois não tinha um compilado focado para a Nutrição”, exemplifica.
Mas, não eram só esses os desafios. O reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (MEC) ainda estava pendente e os estudos eram atrelados pela incerteza de o curso fechar ou não. “Foi graças a movimentação dos alunos e professores na época, que conseguimos manter o curso funcionando”, explica. “Além disso, a gente tinha uma vontade muito grande de trabalhar na área, especialmente porque o campo de pesquisas permitia muitas possibilidades de investigações e análises a serem feitas”, relembra.
O início na atuação profissional
Mesmo com a paixão pela área clínica, o trabalho de Glória começou na produção de alimentos. Ela trabalhava na elaboração de ficha técnicas das preparações, procurando sempre mostrar um diferencial em seu trabalho. Ela ficou nessa área entre os anos de 1984 e 1989. Naquela época, o profissional já executava a ficha técnica das preparações, mas era chamado de ordem de produção. Nesta ordem, tinha todos os ingredientes da preparação, o peso bruto e líquido, baseado no fator de correção, onde fazia a multiplicação pelo número de comensais para elaborar a lista de compras. Este processo era informatizado em um programa da época onde a tela era preta e o texto era de coloração verde.
Até que uma notícia iria chegar e mudar o rumo de sua carreira: a abertura do primeiro concurso para Nutricionistas da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). A prova foi realizada em 1988 e a nomeação aconteceu em 1989. Foi então, que ela começou a atuar na clínica.
Entre as principais dificuldades encontradas, Glória cita a falta de entendimento sobre a atuação do nutricionista. “Muitos colegas confundiam a nossa atuação, várias pessoas desconheciam o papel do nutricionista, e por esta razão, era uma dificuldade conversar com as pessoas”, explica.
Contudo, existem momentos em sua memória que fazem todo esforço valer a pena. “Uma vez, um médio de renome no Hospital em que trabalhava me nomeou como responsável para repassar informações a respeito de um paciente em estado grave. Primeiramente, eu achei que ele tinha confundido e disse que era ‘nutricionista e não médica’. A resposta me surpreendeu: ele respondeu que havia pedido para mim, justamente, por essa razão, porque eu sabia qual era a dieta fornecida ao paciente e essa era uma das questões que impactaria significativamente no desfecho do caso”, relata Glória.
Principais mudanças na profissão
Para Glória, a profissão mudou muito ao longo dos anos. Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento científico dos protocolos que tangem a profissão, a nutrição se tornou cada vez mais reconhecida. “É muito bom ver a evolução da nossa profissão. Agora temos pareceres técnicos que cabem somente ao nutricionista, como a dieta enteral como prática do nutricionista e diversos protocolos que foram, inclusive, reconhecidos por órgãos como a Prefeitura Municipal de Curitiba”, exemplifica.
Mas, as mudanças não vieram de forma fácil. Glória comenta que durante a sua carreira, ela encontrou diversos desafios. “Sofríamos muito com o desconhecimento da nossa área de atuação e a falta de valorização por outros profissionais da saúde”, explica. Contudo, aos poucos, esse espaço foi sendo conquistado com muita pesquisa e paciência.
“O que mais me deixa feliz é perceber que com essa valorização, atualmente, a maioria dos pacientes solicitam a presença de um nutricionista e temos nosso espaço cada vez mais respeitado”, comemora Glória. Com as mudanças, a profissão ganhou cada vez mais fôlego e relevância em seu espaço.
Perspectiva e legado
Ao ser perguntada o que a motiva continuar atuando como nutricionista, Glória responde que o seu maior combustível é o amor. “Eu gosto muito da profissão e sei que somos capazes de mudar vidas. Por isso, vejo muito a nossa profissão como uma arte e o que eu deixo de ensinamento aos jovens profissionais é não desistirem da carreira”, finaliza.
O projeto “Valorizando os Profissionais 60+”, uma homenagem aos nutricionistas da terceira idade que enfrentaram contextos adversos e pavimentaram o caminho para as novas gerações.
A proposta é dar visibilidade a essas trajetórias e reconhecer as vivências que moldaram a profissão tal como a conhecemos.
Por Pedro Henrique Oliveira Macedo – Jornalista