CTPP IDENTIFICA PROBLEMAS E PROPÕE ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
Três integrantes da CTPP falam sobre os problemas atuais no cenário das Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição e propõem estratégias para enfrentá-los
A Missão do CRN-8 é defender o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável, contribuindo para a promoção da saúde da população, mediante a garantia do exercício profissional competente, crítico e ético. Para tanto, instituiu a Câmara Técnica de Políticas Públicas (CTPP), com o objetivo de atuar na discussão, avaliação, planejamento, orientação, implementação e apoio em assuntos de natureza técnica e científica, desenvolvendo projetos para elevar a qualidade das ações relacionadas à Alimentação e Nutrição. A CTPP atua na direção do enfrentamento e transformação das problemáticas identificadas, tendo como centralidade as diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN).
Para falar do trabalho desenvolvido pela CTPP, ninguém mais apropriado do que três de suas integrantes, a Prof. MSc Maria Teresa Gomes de Oliveira Ribas, a Prof. Dra. Jhulie Rissato e a nutricionista Lilian Tanikawa. Segundo elas, tomando como referência o atual cenário das Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição merecem destaque três dos principais problemas constatados: o aumento do sobrepeso e da obesidade, a ausência de nutricionistas na gestão e operacionalização da PNAN e da PNSAN (Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e a falta de regulamentação específica que envolva todos os equipamentos e programas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), não somente as contidas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Elas enaltecem a validade da iniciativa do CRN-8 na proposição da CTPP, especialmente no complexo e dinâmico cenário que estamos vivendo e que traz enormes impactos sobre a questão alimentar e nutricional na sociedade nacional. As estratégias propostas pela CTPP, visam o fortalecimento de políticas públicas de alimentação e nutrição, prevendo a articulação do CRN-8 com as Instituições de Ensino Superior (IES), a sociedade e os poderes Legislativo e Executivo.
Sobrepeso e obesidade
Segundo Maria Teresa – docente de Nutrição em Saúde Coletiva e Políticas Públicas do Curso de Nutrição da PUCPR e membro da Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) –, constata-se o aumento expressivo do número de casos de sobrepeso e obesidade, em todas as faixas etárias, como também da prevalência de outras doenças crônicas como a hipertensão, diabetes e a dislipidemia. “Este fato ocorre principalmente pelo amplo acesso da população brasileira aos alimentos ultraprocessados, que são ricos em sódio, açúcar e gordura acarretando diversos problemas de saúde. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, em 2014, o excesso de peso acomete um em cada dois adultos e uma em cada três crianças brasileiras, sendo, atualmente, uma das condições crônicas de saúde que podem contribuir para evoluir com gravidade quando infectado pelo SARS-COV-2 (COVID-19)”.
Ela diz que, para o enfrentamento desse cenário, se faz necessário incentivar a proposição de legislações que regulamentem a rotulagem e comercialização desses alimentos, alertando a população acerca dos riscos que o consumo excessivo pode provocar à saúde, como também na tributação de bebidas adoçadas e outros alimentos ultraprocessados. Também é fundamental a promoção da ampliação de ações intersetoriais que interfiram positivamente nos diversos determinantes e condicionantes da saúde da população. “O Ministério da Saúde (MS) tem importante papel na promoção da alimentação adequada e saudável, devendo orientar e estimular o consumo de alimentos in natura e minimamente processados como a base alimentar da população brasileira, se comprometendo com as ações previstas na PNAN, na PNSAN, na PNPS (Política Nacional de Promoção da Saúde) e nas diretrizes contidas no Guia Alimentar para a População Brasileira, editado pelo MS”, diz.
Guia Alimentar para a População Brasileira é referencial
Quanto a esse cenário, a CTPP destacou que, muito recentemente, ocorreu um questionamento, a partir do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sobre a classificação de alimentos proposta pelo Guia Alimentar para a População Brasileira e solicitando ao MS a revisão desse importante instrumento de Educação Alimentar e Nutricional numa direção oposta às evidências científicas que comprovam prejuízos à saúde relativos ao consumo massivo de produtos ultraprocessados.
O Guia Alimentar tem reconhecimento mundial pela sua abordagem exemplar como referencial sobre alimentação para a população. Nesse referencial está justamente o pensar sobre a alimentação de modo integral, sem caráter prescritivo nutricional, mas trazendo como horizonte as práticas de alimentação saudável a partir da produção de alimentos por sistemas sustentáveis. Na visão de Maria Teresa, o primeiro problema crítico levantado diz respeito a um modelo de produção industrial de produtos nutricionalmente desbalanceados que acabam sendo grandemente acessados também pelo seu menor custo. “Nesse sentido, se instaura um ambiente de acesso favorável ao excesso de peso articulado às exigências ao modo de vida em uma sociedade desigual”.
Estratégias intersetoriais para o enfrentamento do problema
As estratégias para enfrentamento dessa questão estão em andamento, em primeiro plano, pela emissão de diversas notas técnicas de institutos de pesquisa e um conjunto de organizações que se dedicam a estudos voltados à promoção da alimentação saudável e adequada (NUPENS/USP, Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, ASBRAN, entre outras) e que, inclusive participaram ativamente da construção do Guia Alimentar, com essa perspectiva.
Como desdobramento dessa ação se vê, em tempo oportuno, mais uma oportunidade de diálogo com a população, dando visibilidade a esses aspectos reflexivos quanto às práticas de consumo e discutindo os pontos críticos das relações de produção nos sistemas alimentares dominantes. “Para o enfrentamento dessa situação a CTPP sugeriu proposições a respeito do fortalecimento de estratégias intersetoriais, tanto nos espaços de gestão como nas instâncias de participação social, na direção das proposições e ações de educação alimentar e nutricional e práticas de educação em saúde em políticas públicas, numa abordagem que contemple e valorize os princípios da soberania alimentar e da alimentação adequada como direito humano fundamental à vida e à saúde”, conclui Maria Teresa.
Importância do nutricionista nos programas e ações de SAN
A Profa Dra. Jhulie Rissato, da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, atua no NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) e é conselheira pelo CRN-8 no Conselho Municipal de Saúde. Para ela, outro problema identificado é a ausência de profissionais nutricionistas na gestão e na operacionalização da PNAN e da PNSAN, tanto no nível estadual como nos municipais. Além disso, a extinção dos Núcleos Ampliados em Saúde da Família – Atenção Básica (NASF-AB) enfraquece as ações de Alimentação e Nutrição na Atenção Básica, já que a maioria dos profissionais estão inseridos nessa estratégia. “Muito importante se propor a inserção do profissional nos programas e ações de SAN que envolvam atividades privativas do nutricionista, como programas de Bancos de Alimentos e de Aquisição de Alimentos, bem como no Bolsa Família. É importante incentivar a formação e modelos de assistência em que esse profissional possibilidade assegurar a articulação, o aprimoramento e o fortalecimento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional e que seus dados sejam analisados individual e coletivamente, sendo amplamente divulgados pelos gestores para as Instituições e sociedade. A CTPP ressalta em suas recomendações que essas informações são indicadores potentes de gestão para o alcance da segurança alimentar e nutricional em populações”.
Outro problema é a falta de regulamentação específica que envolva todos os equipamentos e programas de Segurança Alimentar e Nutricional, e não somente contidas no Programa Nacional de Alimentação Escolar. “A CTPP destaca que é muito importante que se tenha definido através de um profundo debate entre setores de governo e sociedade e ampliar a aquisição de alimentos da agricultura familiar local e de alimentos orgânico/ agroecológicos, além de limitações de teto para a aquisição de alimentos ultraprocessados. Também aqui a CTPP ressalta a importância da agenda política do Paraná que prevê a conversão da alimentação escolar para 100% de alimentos orgânicos até 2030, conforme decreto do governo estadual que regulamenta a Lei nº 16751/10”, explica Jhulie.
Revogação do CONSEA dificulta implementação de Políticas Públicas de Nutrição
Lilian M Tanikawa, nutricionista do município de Pinhais/PR e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Alimentação e Nutrição da UFPR destaca que principal problema para a implementação de Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição é a Revogação do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) por meio da medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019. “Esse importantíssimo órgão foi criado para debater e apresentar as diretrizes que visam garantir a segurança alimentar em todo o território brasileiro, orientando e difundindo importantes preceitos na missão de assegurar o direito humano à alimentação adequada, como também, reconhecer a importância de uma alimentação que leve em conta a sustentabilidade. A extinção do Consea em nível nacional, se configurou como um limitante quanto à gestão coordenada junto aos estados e municípios de todos os esforços estratégicos já alcançados ou em andamento, na garantia do Direito Humano à Alimentação e Nutrição adequada”.
Cabe ao CONSEA, instância do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional composta pelo Estado, sociedade civil, conselhos de âmbito nacional, organismos internacionais e Ministério Público Federal, a responsabilidade tanto do debate como também da articulação das diversas políticas e programas a nível nacional, monitorando e acompanhando o orçamento das políticas públicas desenvolvidas pelo governo que interferem diretamente em todos os problemas anteriormente citados.
Riscos para a população
Lilian afirma que não se pode esquecer a responsabilidade do Estado de promover o direito humano à alimentação adequada, incorporando às políticas públicas de nutrição o diálogo intersetorial para sua plena implementação. “É muito importante que as estratégias de promoção de e estímulo de uma alimentação saudável e segura sejam mantidas, como também, o avanço no monitoramento nutricional e na vigilância epidemiológica dos agravos nutricionais e comorbidades correlatas ao excesso de peso e obesidade (como diabetes, hipertensão arterial, doenças cardiocirculatórias) na população”.
Nesse contexto específico de crise econômica, mediado pelo cenário da pandemia da COVID 19, há o agravamento das condições de acesso à alimentação, com impactos sobre a ocorrência de deficiências nutricionais e o aumento das situações de vivência da fome, que é a expressão maior da situação de insegurança alimentar e nutricional. “Ou seja, sem a continuidade das conquistas já alcançadas em termos da organização da Política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), com o desmonte de financiamento e execução de políticas públicas intersetoriais coordenadas nas áreas de agricultura, educação, saúde, abastecimento e meio ambiente a consequência se traduz no retorno e agravamento do problema social da desnutrição e intensificação da obesidade na nossa população, vamos ampliar a prevalência de doenças e agravos não transmissíveis, permitindo que nossa população adoeça de forma descontrolada, dificultando o acesso aos serviços de saúde e as tecnologias necessárias para o tratamento das mesmas”, diz Lilian.
As políticas públicas se tornam diretrizes essenciais para que se tenha uma população saudável. Entretanto, conforme se apresenta o relatório de proposições da CTPP, é muito importante a manutenção dos espaços de participação social, com a escuta às demandas específicas referentes à alimentação e nutrição dos diversos segmentos da nossa sociedade, incluindo as situações prioritárias de vulnerabilidade relativa aos povos originários indígenas, população negra e comunidades tradicionais. “Em conjunto imprescindível, é de igual importância que tanto agentes do Poder Executivo quanto o do Legislativo estejam engajados e comprometidos com uma postura favorável à ética e aos princípios da alimentação como direito humano na proposição e desenvolvimento destas políticas”, conclui.
Acesse o Relatório Técnico – Alimentação, Nutrição e Intersetorialidade em Políticas Públicas